Circunscrição :1 - BRASILIA
Processo :2009.01.1......
Vara : 113 - TERCEIRA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de ação anulatória de ato administrativo ajuizada por OZEAS RODRIGUES DE OLIVEIRA contra o DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO DISTRITO FEDERAL - DETRAN - DF e DEPARTAMENTO DE TRANSPORTE URBANO DO DISTRITO FEDERAL - DFTRANS.
Em sua petição inicial, a parte autora alegou que teve o veículo de sua propriedade autuado pela suposta prática da infração de transporte remunerado não autorizado no dia 24.04.2009.
Disse que referido ato restou fundamentado no artigo 28 da Lei Distrital nº. 232/92, regulamentado pelo Decreto Distrital nº. 17.161/96. Acrescentou que, posteriormente, o bem foi apreendido e encaminhado ao pátio do DETRAN.
Afirmou ser ilegal a apreensão e depósito do veículo, bem como a multa aplicada, porquanto o Distrito Federal não teria competência legislativa para legislar sobre trânsito e transporte. Arrolou demais razões de direito. Pediu, a título de tutela antecipada, a imediata liberação do automóvel apreendido e a suspensão da exigibilidade da multa pecuniária decorrente do auto de infração atacado, bem como das taxas de depósito; por fim, requereu a declaração da ilegalidade do Auto de Infração, cuja cópia consta nos autos.
Acompanharam a petição inicial os documentos de fls. 08-18.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido.
Os Réus apresentaram contestação acompanhada de documentos. Defenderam, em suma, que a parte autora não impugnou justificadamente o mérito da autuação, devendo prevalecer então a presunção de legitimidade do ato administrativo. Asseveraram, também, a legalidade da multa aplicada, assim como a licitude da apreensão administrativa do veículo e da necessidade de pagamento das despesas do depósito. Requereram a improcedência do pedido.
Foi apresentada réplica.
O autor pediu a oitiva de testemunhas. Por fim, os réus pediram o julgamento antecipado da lide.
É o relatório. Fundamento e decido.
Tenho que a matéria posta em debate é eminentemente de direito, uma vez que cuida de vício de aplicação da lei por parte da Administração Pública. A produção de prova oral é desnecessária.
Estão presentes os pressupostos processuais, assim como as condições da ação.
O fato de eventualmente a parte autora ter pagado a multa no decorrer do processo não implica na perda superveniente do interesse processual, visto que o processo ainda é útil e necessário para saber se o Auto de Infração deve ser anulado. Precedentes do STJ nesse sentido.
Passo ao imediato julgamento do mérito da presente demanda, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.
No campo constitucional, é de conhecimento geral que a Carta Federal de 1988 concedeu à União Federal, em seu Art. 22, Inciso XI, competência privativa para legislar em matéria de trânsito e transporte.
Na competência privativa, cabe à União fazer a lei, não cabendo aos Estados e Municípios (logo, também o Distrito Federal) legislar sobre a respectiva matéria, sob pena de inconstitucionalidade motivada por incompetência. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local.
A competência legislativa privativa da União somente pode ser suplementada pelos Estados Membros e, como corolário, pelo Distrito Federal, em casos específicos, caso lei complementar o autorize (Art. 22, Parágrafo único, da CF). Vale dizer que esta não pode ser objeto de suplementação por parte dos Municípios (Art. 30, Inciso II, da CF). No âmbito da competência material comum, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão legislar, suplementando a legislação federal (Art. 23 da CF). No âmbito da competência legislativa concorrente cabe à União editar as normas gerais e aos Estados e DF a suplementar. Neste caso, os Municípios poderão, residualmente, suplementar as leis estaduais e federais (Arts. 24 e 30, Inciso II, da CF). Nas questões de interesse local, a competência legislativa é dos Municípios. Também é deles a competência para organizar os serviços públicos de interesse local, inclusive o de transporte coletivo (Art. 30, Incisos I e V, da CF).
No caso dos autos, observa-se que a situação fática não cuida de transportes coletivos, mas tão-somente de possível infração de trânsito, cometida por particular. Assim, não vejo como afastar a incidência exclusiva do CTB para os fatos narrados na inicial, bem assim apontados nas contestações apresentadas pelos Réus.
Creio que para os que pensam que o aliciamento de passageiro pode ser tratado como transporte alternativo irregular, há nítida falha de percepção da situação fática verificada no dia a dia nas vias públicas. A irregularidade no transporte coletivo é consumada quando o condutor, valendo-se de veículo com características semelhantes àqueles que possuem concessão para o serviço de transporte público, se comportam como se os serviços por eles prestados também fossem chancelados pelo poder concedente. Usam os mesmos caracteres, circulam pelas mesmas linhas e horários.
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Sobre o tema, aliás, colaciono ementa de voto elucidador, confira-se:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS. VEÍCULO DE PASSEIO. INEXISTÊNCIA DE SUBSUNÇÃO LEGAL À HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 28 DA LEI Nº 239/92, ALTERADA PELA LEI Nº 953/95. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Para que ocorra fraude na operacionalização de transporte alternativo de passageiros, de modo a subsumir-se a hipótese ao art. 28 da Lei Distrital nº 239/92, com a redação dada pela Lei Distrital nº 953/95, ..............
Além disso, o Conselho Especial do TJDFT já declarou inconstitucional o art. 28 da Lei Distrital nº 239/92:
"ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS - APREENSÃO DE VEÍCULO - LEI DISTRITAL - INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO - APREENSÃO DE VEÍCULO - LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTAS E ENCARGOS - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - ARGUIÇÃO ACOLHIDA.1. A Constituição Federal fixa a competência da União para legislar sobre trânsito e transporte, nos termos do artigo 22, inciso XI. O artigo 30, incisos I, II e V, e o artigo 175, ambos da C.F., devem ser interpretados em conjunto. A competência do município, estendida, no caso, ao DF, limita-se à regulamentação da atividade econômica desempenhada pelo ente estatal. 2. liberação do veículo retido sem licença para transporte remunerado não pode estar condicionada ao pagamento de multas e encargos, porquanto esta medida administrativa não se confunde com a penalidade apreensão, sob pena de se violar o princípio constitucional do devido processo legal (CF, artigo 5º, inciso LIV; artigo 231, inciso VIII, da Lei 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro).3. Argüição de inconstitucionalidade acolhida. Maioria."(20090020069227ARI, Relator JOÃO MARIOSA, Conselho Especial, julgado em 06/10/2009, DJ 12/01/2010 p. 92)
A infração tipificada nos autos foi a prevista no inciso VIII do artigo 231 do CTB, que veda o trânsito de veículos, "efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente". Para essa infração, o Código previu as seguintes sanções: Infração - média; Penalidade - multa; e Medida administrativa - retenção do veículo. (grifei)
Não resta dúvida, pois, que a lei federal autorizou o combate ao transporte ilegal de passageiros nas três esferas de poder (inclusive o municipal), mas impôs como penalidades a multa de gradação média e a retenção do veículo. O CTB também definiu os meios pelos quais se calculam as multas por infrações à lei federal de trânsito e que são válidas para todo o país.
Do mesmo modo, não pairam dúvidas de que a definição legal do que seria a infração conhecida como transporte pirata, assim como a cominação da pena a ser imposta e também das medidas administrativas exigidas, que podem ser aplicadas pelo Município e também pelo Distrito Federal aos infratores ditos transportadores piratas relacionados acima são aquelas fixadas no Art. 281, Inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, ou seja: multa de valor médio. Além dessa pena, obrigou o CTB que a Administração, seja da União, Estado, Município ou DF, à medida administrativa de reter o veículo.
Com efeito, ao exercer sua competência, a União uniformizou para todo o território nacional as penas aplicáveis ao dito transporte pirata, exercendo plenamente a sua competência quanto a esta matéria. E a União fez isto no Art. 231, do CTB. Não cabe, pois, aos entes federativos inferiores legislar, sobre quaisquer pretextos, quanto a estas matérias, porque na esfera privativa da União e não delegada aos Estados e Distrito Federal por meio de lei complementar específica, conforme determina o parágrafo único, do art. 22, da Carta da República.
No que tange à retenção do veículo, vale lembrar que este instituto não se confunde com a sua apreensão de veículo. Portanto, não é dado ao ente que exerce o poder de polícia administrativa apreender o veículo em lugar de retê-lo, como determina a lei, como fez os policiais militares ou agentes de trânsito. Vale frisar que a retenção do veículo como medida administrativa não se confunde, em hipótese alguma, com a pena de apreensão, pois aquela somente deve perdurar até que o proprietário regularize a situação do veículo. Assim, para os fatos narrados na inicial, se, de fato, houvesse sido constatado o transporte remunerado de passageiros sem autorização da autoridade competente, caberia ao militares, tão-somente, exigir a cessação do transporte daqueles, ou seja, que os supostos passageiros descessem do veículo, e aplicar a multa de 80 UFIR.
A medida administrativa de retenção do veículo tem a finalidade de sanear uma situação irregular (art. 270 do CTB). Portanto, tão logo resolvido o impasse, deve-se restituir o veículo ao seu proprietário, independentemente do pagamento da multa aplicada. Nesse exato sentido é Recurso Especial nº. 790.288/MG, STJ, relator Ministro José Delgado, DJ de 5.10.2006.
Ocorre que a Administração Distrital aplica a Lei Distrital nº 239/1992, Art. 28, para coibir a prática da infração prevista no Art. 231, inciso VIII, do CTB. Contudo, em que pese a prática coibida ser plenamente ilegal, a legislação usada é inconstitucional, não só por legislar sobre fatos diferentes do que são tratados nos autos, seja por aplicar multa superior a estipulada e por agravar a medida administrativa.
Não custa lembrar que o princípio basilar da Administração Pública é o PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Trilhando o escólio fundamental de Hely Lopes Meirelles, observa-se que a Administração Pública somente pode fazer o que determina a lei, sob pena de seus atos serem declarados nulos. Essa interpretação mais rigorosa aos entes públicos possibilita o controle das políticas de gestões públicas e evita a arbitrariedade dos agentes públicos que devem atuar, não em nome próprio, mas em prol de interesse coletivo.
Nesse cenário, não resta dúvida de que o auto de infração mencionado, emitido pelo DFTRANS, sucessor do DMTU, fundamenta-se no transporte irregular de passageiros, invocando o art. 28 da lei no art. 28 da Lei Distrital nº 239/92, ainda que assim não o indique expressamente. Em sendo assim, aquele ato é nulo de pleno Direito, porque baseado em norma inconstitucional, como já demonstrado acima.
Por outro lado, o entendimento aqui esposado não serve para fomentar o transporte irregular de passageiros, tampouco serve como instrumento de desestímulo para que os agentes do DETRAN/DF e do DFTRANS deixem de realizar as atividades relativas ao Poder de Polícia que lhe são inerentes. O que não se tolera é a não observância estrita da lei por parte de agentes públicos, os quais devem servir de exemplo aos administrados e não aplicar norma inequivocamente inconstitucional em prejuízo de terceiros.
Querem os Réus DETRAN/DF e DFTRANS combater o transporte irregular de passageiros? Adotem políticas públicas consentâneas com o Código de Trânsito Brasileiro, especialmente com a Constituição Federal. Não podem se beneficiar de medidas que visam unicamente à arrecadação de receitas aos cofres públicos, decorrentes da exigência de valores de multas não previstos em lei, e das inúmeras despesas a que os supostos infratores de trânsito são obrigados a recolher para reaverem o veículo ilegalmente apreendido.
Quanto à liberação do veículo, entendo possível sua entrega à parte requerente, desde que não existam outras pendências (multas e tributos não pagos).
Por último, ressalto que o pedido de ressarcimento do valor pago pela multa e demais acessórios não pode ser atendido se não foi formulado na exordial. Com efeito, a parte autora não formulou pedido de eventual repetição de indébito na petição inicial. Nos termos do art. 293 do CPC, os pedidos são interpretados restritivamente. Dessa forma, embora o auto de infração esteja sendo anulado, o pagamento da quantia espontaneamente pelo Requerente após o ajuizamento da ação não pode ser ressarcido na parte dispositiva do julgado, sob pena de a sentença ser considerada "extra petita". Essa vedação está prevista no artigo 460 do Código de Processo Civil, segundo o qual é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado. O ressarcimento é objeto diverso do que foi pedido, que é apenas a anulação.
Ante o exposto, CONFIRMO A DECISÃO que antecipou os efeitos da tutela e JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para anular o Auto de Infração n.º0560009, do DFTRANS, lavrado em 24.04.2009 por infração imputada ao veículo da parte autora GM/Monza, placa ......9, conforme cópia de fl. 18. E, por ser o ato nulo de pleno Direito são inexigíveis, por conseguinte, os efeitos de que dele emanam, quais seja, multa, apreensão do veículo e taxas de depósito. Declaro resolvido o mérito, com apoio no artigo 269, inciso I do CPC.
Sem condenação em custas. Condeno os Réus ao pagamento de honorários advocatícios os quais arbitro, nos termos do art. 20º, § 4º, do CPC, em R$ 300,00, sendo cada qual responsável pelo pagamento da metade do valor.
Sentença NÃO sujeita à remessa necessária e registrada eletronicamente nesta data. Publique-se. Intimem-se por publicação no DJE.
Brasília - DF, sexta-feira, 22/10/2010 às 14h34.
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Sentença anterior, determinando a liberaçao imediata do veiculo, enquanto o Detran-DFTRANS tenta provar que o transporte era ilegal.
Circunscrição :1 - BRASILIA
Processo :2009.01.1.0.............
Vara : 113 - TERCEIRA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF
DECISÃO
Há plausibilidade do direito invocado, uma vez que o auto de infração foi lavrado com supedâneo na Lei Distrital nº 239/92 - ainda que o agente administrativo tenha omitido essa informação na lavratura do auto - a qual padece de inconstitucionalidade porque invade esfera legislativa privativa da União. O receio de dano de difícil reparação está calcado no fato notório de que os veículos apreendidos e depositados no DETRAN são encaminhados para leilão, acaso permaneçam por mais de 90 (noventa) dias no pátio daquela entidade.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, para determinar, independentemente do pagamento de multa ou e de diárias, a imediata liberação, em favor do autor, do veículo apreendido, Placa JEE .... (GM MONZA). Não há falar em SUSPENSÃO da EXIGIBILIDADE da multa decorrente do Auto de Infração, uma vez que a penalidade aplicada está em consonância com o Código de Trânsito Brasileiro, e, considerando a presunção de legitmidade do ato administrativo, a parte interessada tem o ônus de produzir provas para ilidir tal presunção.
Defiro, ainda, a gratuidade de justiça.
Citem-se. Intimem-se.
Brasília - DF, quarta-feira, 20/05/2009 às 14h55.
Processo Incluído em pauta : 20/05/2009
Processo :2009.01.1.0.............
Vara : 113 - TERCEIRA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF
DECISÃO
Há plausibilidade do direito invocado, uma vez que o auto de infração foi lavrado com supedâneo na Lei Distrital nº 239/92 - ainda que o agente administrativo tenha omitido essa informação na lavratura do auto - a qual padece de inconstitucionalidade porque invade esfera legislativa privativa da União. O receio de dano de difícil reparação está calcado no fato notório de que os veículos apreendidos e depositados no DETRAN são encaminhados para leilão, acaso permaneçam por mais de 90 (noventa) dias no pátio daquela entidade.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, para determinar, independentemente do pagamento de multa ou e de diárias, a imediata liberação, em favor do autor, do veículo apreendido, Placa JEE .... (GM MONZA). Não há falar em SUSPENSÃO da EXIGIBILIDADE da multa decorrente do Auto de Infração, uma vez que a penalidade aplicada está em consonância com o Código de Trânsito Brasileiro, e, considerando a presunção de legitmidade do ato administrativo, a parte interessada tem o ônus de produzir provas para ilidir tal presunção.
Defiro, ainda, a gratuidade de justiça.
Citem-se. Intimem-se.
Brasília - DF, quarta-feira, 20/05/2009 às 14h55.
Processo Incluído em pauta : 20/05/2009
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